sábado, 25 de julho de 2009

O Farol do Estreito de Drake


Em uma ilha muito distante, em pleno mar do fim do mundo, como é conhecido o estreito de Drake, onde o mar é sempre agitado por tormentas e o vento ríspido e gélido proveniente das regiões glaciais da Antártida, existiu há muito tempo atrás um farol numa pequena ilha próxima a terra do fogo. Aquele farol era o único naquelas paragens desérticas distantes do resto do mundo. Era a luz daquele farol que em noites de mar escarpado, trazia aos marinheiros que por ali vagavam, a esperança de uma chegada segura no estreito, até a saída do canal onde seguiriam em sua viagem rumo as águas do pacífico.No farol viveu por muito tempo um faroleiro juntamente com sua família sua mulher e um filho de pouco mais de cinco anos. Anos após anos seguidos em uma rotina imutável, vendo passar no horizonte distante, os navios errantes e o mar impiedoso e atroz. O farol nunca falhava. Tormenta após tormenta ele sempre estava lá, emitindo sua luz âmbar em todas as direções daquele horizonte sempre cinzento, encoberto por neblinas densas. Mais anos e anos se passaram e um dia a mulher do faroleiro, na varanda do farol, com os olhos voltados em um ponto qualquer do grande mar, enquanto dormiam seu marido e filho, desceu até a pequena praia que ali havia, e olhando compenetrada o gigante gelado, tomou-o pelo jardim de sua casa que quando menina lá morava, e que agora sua mente a trazia de volta, e no mar entrou, para o jardim voltou e de lá nunca mais saiu. Seu esposo e filho nunca mais retornaram a vê-la. Os anos continuaram vindo, lentos e infalíveis. Até que em certo momento alguma coisa pareceu ter acontecido. O tempo era sempre lento, e a vida no farol era como um quadro pintado, parecia não mudar com o tempo.Era sempre a mesma imagem, o mesmo retrato. Mas um dia parece que alguma coisa havia mudado. De repente o garoto cresceu sem se aperceber,e agora já era adulto. Foi essa mudança que o fez notar o tempo retratado no corpo do seu velho pai. Estavam lá as marcas de todos os anos de sua vida no farol. Cada ruga, cada cabelo branco contava um cotidiano de uma história que ao longo do tempo foi uma só. Dia após dia a mesma história durante décadas, e agora parecia serem tão notórias essas evidências do tempo marcada na pele do seu velho pai. Pensava isso certo dia quando via o velho sentado na varanda do farol, como fazia todos os dias de sua vida ali. Então o rapaz se apercebeu do seu destino. E sua mente, como o reflexo da luz do velho farol, se iluminou dentro de sua própria alma, e pela primeira vez veio um medo interior que o fez sentir-se um ser esquecido. Vieram velhas lembranças à sua mente: sua mãe, uma rua, uma casa, algumas outras crianças... E viveu o rapaz dali em diante com uma tristeza que nunca mais lhe sairia dos olhos.Passaram alguns meses e chegou um certo dia em que as provisões acabaram,e o pequeno barco que todos os meses ali encostava para lhes suprir, havia uma semana não aparecia. Estavam à mercê do destino. O isolamento era total e não havia outro transporte senão uma pequena e velha canoa que usavam para pescar próximo às margens e que há muito não usavam. A sede era a pior de todas as dores, superando a da fome. O desespero fez com que bebessem água salina do mar, o que lhes aumentava a desidratação. O pânico se acercava do pai e do filho, até que no amanhecer de um outro dia, apenas um o sentia por inteiro com todos os seus terrores. O velho havia morrido.Sem forças para descer o velho do farol, e enterrá-lo, o rapaz o sentou na cadeira da varanda como sempre o velho fizera por todos aqueles anos,e lá o deixou. Desceu vagarosamente a longa escada em espiral, arrastou a pequena canoa até a margem do mar, subiu e a empurrou até mais fora da praia e nela deitou-se com os olhos voltados para o céu. Um instante depois com grande esforço sentou-se e buscou seu olhar pela última vez,o farol. E lá avistara o velho farol e seu velho pai, sentado como se tivesse o observando e de algum modo, querendo dizer-lhe algo em um lamentoso adeus. Então deitou-se novamente. Não havia mais nenhum vestígio de forças no seu corpo. Entregara-se de vez ao destino infeliz que a vida o premiara. E assim as correntes o levaram ao mar aberto até sumir como um pontinho escuro no horizonte.Depois de muito tempo de existência, naquela noite o farol não acendeu.Sua luz âmbar nunca mais voltou a iluminar a escuridão das noites daquela parte do mundo.E o tempo passou...Décadas e mais décadas, ninguém voltou a por os pés naquela pequena ilha do estreito de Drake. As ondas do mar cavavam ano após ano, a base do velho farol. O mar avançara lento, lento. As pedras de seus alicerces já começavam a aparecer junto com suas ferragens que a salinidade do mar destruía dia após dia, um após outro a cada vergalhão da construção. E o tempo passou e passou e o mar avançou e avançou, até que um dia o velho farol fraquejou sob seu peso e a fúria das intempéries glaciais e por fim, caiu.E seus escombros até hoje estão lá, sob as ondas do mar gélido de drake, na terra do fogo.Um lugar chamado de fim do mundo, porque ali é a terra que o mundo e o tempo esqueceu.

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